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Sistema de difusão de informação

Produtos financeiros complexos


Política da CMVM em matéria de produtos financeiros complexos

Índice:

1. Exposição de motivos

1.1.Complexidade do mercado de produtos financeiros
1.2.Reclamações dos investidores
1.3.Análise de documentos informativos, prospectos simplificados e publicidade 
1.4.Assimetria e insuficiência de informação
1.5. Enquadramento internacional

2. O enquadramento legal

3. A política da CMVM

3.1 Criação do Comité de Inovação Financeira
3.2. Reforço da supervisão dos documentos informativos e dos prospectos simplificados
3.3. Reforço da supervisão da publicidade
3.4. Exigências de informação e na publicidade
3.5. Reforço da supervisão das estratégias e práticas de comercialização
3.6. Divulgação de alertas e inserção de menções da CMVM
3.7. Reforço da emissão de informações e recomendações de natureza pedagógica dirigidas aos investidores
3.8. Reforço da transparência pós-comercialização
3.9. Uniformização dos documentos informativos e eliminação de espaços residuais de arbitragem regulatória
3.10. O papel das entidades comercializadoras e dos emitentes de produtos financeiros complexos.

4. A racionalidade da política da CMVM

4.1. A questão da concorrência: oferta e procura 
4.2. A divulgação de informação obrigatória e padronizada
4.3. A estratégia de distribuição dos produtos financeiros complexos

5. Alternativas de política


1. Exposição de Motivos

1.1.Complexidade do Mercado de Produtos Financeiros

Nos últimos anos o sector financeiro emitiu e disponibilizou aos seus clientes produtos de investimento cada vez mais sofisticados. Além dos depósitos tradicionais, dos fundos de investimento e dos instrumentos negociados em mercado (tais como, acções e obrigações), surgiram novas possibilidades de investimento através dos designados produtos financeiros complexos.

[1] Um dos traços distintivos destes produtos é o facto de oferecerem uma rentabilidade incerta, geralmente dependente da evolução do preço de outros activos (acções, cabazes de acções, índices, taxas de juro, commodities, entre outros), e muitas vezes podendo vir a assumir valores negativos.

Os produtos financeiros complexos competem directamente com os produtos de poupança tradicional. Com a implementação da DMIF e, posteriormente, com a crise financeira internacional, estes produtos financeiros passaram a ser alvo de regulamentação e vigilância mais apertadas. A complexidade da grande maioria destes produtos financeiros é elevada e são raros os investidores que os conseguem compreender e avaliar correctamente, o que justifica uma atenção redobrada das autoridades de supervisão. Note-se, porém, que são em número muito significativo os produtos financeiros complexos que são emitidos noutras jurisdições e que são comercializados em Portugal ao abrigo do passaporte europeu do prospecto, o que não só impede a intervenção da CMVM na fase de concepção dos produtos e de aprovação dos respectivos prospectos, como limita fortemente as possibilidades de intervenção desta autoridade na fase da elaboração dos respectivos documentos informativos.

1.2.Reclamações dos Investidores

Em 2009 foram recebidas na CMVM 2.417 reclamações de investidores, 98% das quais visaram intermediários financeiros. Em 2010, o número de reclamações baixou para 628, tendo 88,5% delas incidido sobre intermediários financeiros. O aumento significativo do número de reclamações de 2008 para 2009 está, em alguma medida, associado a clientes do BPP e do BPN. Porém, os valores de 2010 deixam patente que, não obstante o cenário de crise vivido, muitos investidores foram surpreendidos pela reduzida rentabilidade das suas aplicações ou pela constatação de que os seus investimentos apresentavam características que não esperavam ou de cuja possibilidade de ocorrência não tinham consciência.

Entre os principais assuntos que foram objecto das reclamações, quer em 2009, quer em 2010, destacam-se:

    • a prestação de informação incompleta, não clara e não objectiva pelos intermediários financeiros aos seus clientes sobre os produtos ou serviços comercializados;
    • a ausência de solicitação pelo intermediário financeiro ao cliente de informação sobre os seus conhecimentos, experiência em matéria de investimento e objectivos de investimento;
    • a não realização, pelo intermediário financeiro, do teste de adequação dos instrumentos financeiros aos clientes, designadamente no que respeita à verificação dos respectivos conhecimentos e experiência em matéria de investimentos financeiros;
    • a falta de informação ou a prestação de informação insuficiente aos clientes sobre os riscos e as características dos instrumentos financeiros, em particular no caso de produtos financeiros complexos;
    • a formalização irregular dos investimentos e dos desinvestimentos;
    • a falta de informação periódica sobre a evolução do valor das aplicações financeiras efectuadas;
    • a cobrança de comissões excessivas ou desajustadas face ao respectivo preçário;
    • a utilização de técnicas de comercialização persuasivas ou agressivas;
    • o conteúdo da publicidade realizada a produtos financeiros complexos.

Caixa 1 - Exemplos de Reclamações


Subscrição de Instrumento Financeiro Complexo por Cliente Sem Perfil de Investimento para o Efeito

O reclamante, com 72 anos na altura dos factos, sem qualquer escolaridade e sem antecedentes de investimento em instrumentos financeiros de risco, solicitou ao banco a realização de um depósito a prazo, mas acabou por subscrever, em Julho de 2007, por sugestão de um funcionário da agência bancária, um fundo especial de investimento.

Os fundos especiais de investimento são instrumentos financeiros complexos[2], têm risco de perda de capital e podem investir em produtos derivados e recorrer a alavancagem, o que torna particularmente difícil a sua compreensão por quem não tenha formação ou experiência na área financeira. O fundo que este cliente subscreveu tem uma maturidade de 10 anos e uma estrutura de distribuição de rendimentos variável (anual ou trimestral), o que dificulta ainda mais a sua compreensão. Nos primeiros três anos, o retorno do fundo corresponde a uma taxa fixa, nos dois anos seguintes está indexado à rentabilidade de um fundo de investimento em acções e nos anos posteriores varia em função da Euribor.

Em Abril de 2008, o cliente apercebeu-se de que o valor da sua aplicação era inferior ao capital investido, pelo que solicitou explicações ao banco. Foi-lhe dito que a desvalorização se devia à crise nos mercados financeiros, explicação que o cliente não aceitou uma vez que tinha pretendido um depósito a prazo.

Apesar das regras DMIF sobre comercialização de instrumentos financeiros terem entrado em vigor a 1 de Novembro de 2007, já na altura em que ocorreu esta subscrição o banco estava obrigado a prestar, previamente à comercialização do produto, toda a informação necessária para que o cliente pudesse tomar uma decisão esclarecida, nomeadamente, quanto às características do investimento. Era-lhe também exigido que se informasse sobre os conhecimentos e experiência do cliente quanto àquele tipo de investimento e que determinasse se o mesmo era adequado ao seu perfil (artigos 304º e 312º do Código dos Valores Mobiliários na redacção então em vigor e artigo 39º do Regulamento da CMVM n.º 12/2000, então em vigor).

Com vista a determinar se estes deveres tinham sido cumpridos, a CMVM questionou o banco que afirmou ter prestado todas as informações ao cliente e que lhe tinha entregue o prospecto do fundo, tal como exigido por lei. O banco salientou ainda que o boletim de subscrição continha a menção de que o cliente declarava ter tomado conhecimento e aceite as condições da subscrição. A CMVM solicitou então ao banco o envio dos documentos de suporte à comercialização que comprovassem que o cliente tinha recebido o prospecto. O banco remeteu à CMVM o boletim de subscrição que continha apenas a impressão digital do cliente e o prospecto. Perante este facto, a CMVM questionou o banco de como poderia um analfabeto ter lido e percebido o prospecto. O banco respondeu que o prospecto do fundo tinha sido lido em voz alta ao cliente e que este tinha compreendido as características do investimento.

Na sequência da intervenção da CMVM, o banco efectuou uma proposta de acordo, que foi aceite pelo cliente.

Falta de Prestação de Informação sobre Características de Emissão de Obrigações
Previamente à sua Subscrição pelo Cliente

O reclamante, com 68 anos, subscreveu em Julho de 2005 obrigações emitidas por uma instituição de crédito. As obrigações tinham o prazo de 30 anos. O respectivo retorno era fixo nos dois primeiros anos e passava depois a ser indexado a taxas de juro de longo e médio prazo. Todavia, no acto da subscrição o documento que o cliente recebeu do banco não mencionava qualquer risco nem a maturidade das obrigações. Continha apenas o código ISIN de identificação das obrigações, a denominação da entidade emitente e a taxa de juro aplicável nos primeiros dois anos, sem qualquer referência aos riscos do investimento.

No início de 2006 o cliente constatou que o seu investimento se tinha desvalorizado e solicitou ao banco uma explicação para esse facto, tendo nessa altura solicitado mais informação sobre a aplicação em questão. Só no final desse ano o banco lhe enviou a ficha técnica, o que deveria ter acontecido previamente à subscrição (artigo 312º do Código dos Valores Mobiliários na redacção então em vigor). O cliente apercebeu-se então que a maturidade do produto era de 30 anos.

Dado que banco estava obrigado a prestar, previamente à comercialização do produto, toda a informação necessária para que o cliente pudesse tomar uma decisão esclarecida, nomeadamente quanto às características do investimento (artigo 312º do Código dos Valores Mobiliários na redacção então em vigor), a CMVM solicitou ao banco esclarecimentos e o envio dos documentos de suporte à comercialização. O banco alegou que prestou a informação necessária para uma tomada de decisão esclarecida já que forneceu ao cliente o código ISIN das obrigações. Alegou ainda que a maturidade não é uma característica essencial deste tipo de produtos já que podem ser vendidos em mercado antes do seu vencimento. Contudo, o banco não demonstrou que informou o cliente, previamente à subscrição, de que as obrigações tinham risco de liquidez, entre outros.

Na sequência da intervenção da CMVM, o banco efectuou uma proposta de acordo, que foi aceite pelo cliente.

Referência Errada à Maturidade de um Produto Incluída por Lapso no Respectivo Boletim de Subscrição

A reclamante refere ter solicitado, em 2005, a realização de um depósito a prazo com uma remuneração anual garantida de 7% e com o prazo de um ano renovável automaticamente. Na altura tinha 68 anos e detinha a conta bancária em contitularidade com o seu marido, de 87 anos.

Passados três anos recebeu uma carta do banco em que este a informava de que era detentora de obrigações emitidas por uma empresa estrangeira com um prazo de 30 anos. Uma vez que a cliente dizia não se recordar de ter assinado qualquer documento de subscrição das obrigações e não ter conseguido obter do banco qualquer documento que o comprovasse, a CMVM solicitou ao banco que demonstrasse que a subscrição tinha obedecido aos requisitos exigidos por lei, nomeadamente, através do envio da ordem de compra ou do boletim de subscrição assinado pela cliente.

O banco apresentou o boletim de subscrição das obrigações assinado pela cliente. Porém, a maturidade das obrigações indicada no boletim era de 10 anos e não de 30 tal como o banco tinha referido na carta enviada à cliente. O banco referiu tratar-se um lapso já que o prazo de 10 anos respeitava ao prazo da primeira call das obrigações.

Evidenciado pela CMVM o facto da informação que constava do boletim estar errada (em violação do artigo 7º do Código dos Valores Mobiliários) o banco atendeu à pretensão da cliente e procedeu ao reembolso do montante inicialmente investido.

Comercialização de um Contrato de Cobertura do Risco de Taxa de Juro (Swap)
relativo a um Financiamento que não chegou a ser Concedido

Os gerentes de uma empresa estavam a negociar com o banco um financiamento avultado destinado à execução de um projecto. Esse financiamento seria concretizado através de um contrato de abertura de crédito e o montante do empréstimo seria variável e a disponibilizar à empresa de forma faseada, em função das suas necessidades. A taxa de juro do financiamento, a incidir apenas sobre o crédito efectivamente utilizado, seria variável e indexada à Euribor.

Durante a negociação, os gerentes foram contactados, em Julho de 2008, pelos colaboradores do banco com vista à apresentação de um produto financeiro cuja subscrição lhes permitiria cobrir o risco de subida da taxa de juro do financiamento. Ao longo de 2006 e até ao último trimestre de 2007 as taxas de juro de referência tinham subido de forma acentuada, quer na Europa quer nos EUA, tendência que foi acompanhada pelas taxas de referência dos empréstimos bancários e fez aumentar, nesses anos, os encargos das famílias e das empresas endividadas.

O produto financeiro em causa – um contrato de permuta de taxa de juro (swap) – obrigava a empresa ao pagamento periódico de uma taxa fixa sobre um determinado valor nominal (independente do montante do financiamento utilizado) e obrigava o banco ou a empresa ao pagamento de uma taxa variável indexada à Euribor sobre o mesmo valor nominal, consoante a evolução da Euribor. No final de cada período, se a taxa variável fosse superior à taxa fixa e se situasse dentro de um intervalo pré-estabelecido, o banco pagaria à empresa um montante equivalente ao produto do referido valor nominal pela diferença entre a taxa fixa e a taxa variável. Se a taxa variável fosse inferior à taxa fixa ou superior à barreira superior do intervalo, caberia à empresa pagar ao banco. Ou seja, se a taxa Euribor continuasse a subir, o cliente receberia do banco o montante da diferença entre esta e a taxa fixa do contrato (que coincidia com a taxa de juro fixada no contrato de financiamento) multiplicada pelo valor nominal do financiamento.

Os gerentes da empresa subscreveram o contrato de swap antes de terem concretizado o contrato de empréstimo. A empresa acabou, porém, por não conseguir obter as licenças necessárias à execução do projecto ao qual o financiamento se destinava, pelo que informou o banco que o contrato de empréstimo ficava sem efeito. Porém, o contrato de swap continuou a ser executado. Devido à descida acentuada da Euribor, a taxa variável prevista no contrato de swap caiu para valores muito inferiores aos da taxa fixa, obrigando a empresa a pagar ao banco periodicamente montantes avultados. A empresa solicitou então ao banco a resolução do contrato de swap com fundamento, nomeadamente, no facto de não ter contraído qualquer empréstimo. A instituição de crédito fez depender essa resolução do pagamento de um montante equivalente ao que a empresa teria que pagar caso o contrato se mantivesse em vigor nas actuais condições de mercado até ao final da sua duração.

Tendo em consideração que não havia nenhuma cláusula no contrato de swap que fizesse depender a sua aplicação da concretização do empréstimo ou do montante de financiamento efectivamente utilizado pela empresa – apesar de referir que se destinava à cobertura do risco de taxa de juro do cliente –, a CMVM solicitou ao banco o envio dos documentos de suporte à comercialização do mesmo, nomeadamente sobre a existência de um contrato de financiamento.

Na sequência da intervenção da CMVM, o banco apresentou uma proposta de acordo, que foi aceite pelo cliente.

 
1.3.Análise de Documentos Informativos, Prospectos Simplificados e Publicidade

A CMVM analisou ao longo de 2010 mais de duas centenas (250) de documentos informativos de produtos financeiros complexos,[3] bem como 74 prospectos simplificados de unit-linked, fundos de pensões e de fundos especiais de investimento. Um número muito relevante de documentos informativos e prospectos simplificados padeciam de deficiências várias, relacionadas com informação não clara, incompleta e não objectiva sobre o produto em causa, pelo que a CMVM teve que solicitar com muita frequência o esclarecimento das situações detectadas tendo em vista tornar cada vez mais clara e transparente a informação que deve constar desses documentos, sobretudo no que respeita aos riscos do investimento em produtos financeiros complexos.

No âmbito da publicidade, a CMVM analisou em 2010 peças publicitárias relativas a 108 produtos dos sectores segurador e bancário (11 referentes a unit-linked, 33 a fundos de pensões e 64 relativas a produtos financeiros complexos). Na esmagadora maioria dos casos de produtos financeiros complexos a aprovação da publicidade foi precedida de sugestões e alterações solicitadas pela CMVM. Essas alterações respeitaram à necessidade de completar ou introduzir advertências ao investidor, de colocar essas advertências em lugar de destaque ou aumentar a sua dimensão e de eliminar afirmações não fundamentadas.

Em resultado da análise das acções publicitárias relativas a unit-linked e fundos de pensões apenas 5 – referentes a fundos de pensões – não foram objecto de rectificações. Todas as peças publicitárias relativas a produtos financeiros complexos que foram analisadas pela CMVM foram objecto de rectificações.

1.4.Assimetria e Insuficiência de Informação

Um estudo elaborado pela CMVM[4] veio colocar em evidência várias questões relacionadas com este mercado e relevantes para a decisão de investir em produtos com estas características. Entre as conclusões obtidas salienta-se o facto de a estrutura que determina a remuneração anunciada pelas instituições comercializadoras nas respectivas peças publicitárias ser difícil de apreender pelos investidores, mesmo os que apresentam um grau de conhecimento acima da média. Além disso, e em virtude de se constatar que «os cenários de elevadas rendibilidades tinham uma probabilidade de ocorrência bastante reduzida», verificou-se que a rentabilidade esperada de uma amostra relevante e representativa do mercado português de produtos financeiros complexos era, em geral, mais baixa do que a dos depósitos bancários tradicionais. Atenta a assimetria e insuficiência de informação detectadas, a CMVM lançou uma consulta pública ao mercado, prévia à emissão de regulamentação, no sentido de ser proporcionada aos investidores informação que lhes proporcione uma adequada percepção da probabilidade de ocorrência dos diferentes cenários de que dependa a rentabilidade do investimento. A análise das respostas a essa consulta pública permitiu concluir que o mercado partilha da opinião de que é necessário incluir nos documentos informativos informação que permita uma percepção o mais fidedigna possível da rentabilidade esperada dos produtos financeiros complexos.

1.5. Enquadramento Internacional

No plano internacional, o recentemente aprovado Regulamento (EU) nº 1095/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Novembro de 2010, que criou a Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA), atribui a essa autoridade a missão de proteger valores públicos, designadamente a integridade e a estabilidade do sistema financeiro, a transparência dos mercados e dos produtos financeiros e a protecção dos investidores. À ESMA foi cometido um papel fundamental na promoção da transparência, da simplicidade e da equidade no mercado no que se refere aos produtos e serviços financeiros destinados aos consumidores (artº 9, nº 1), e ao controlo das actividades financeiras novas e existentes (artº 9, nº 2). Além disso, a regulamentação consagrou a criação de um Comité para a Inovação Financeira que reúna todas as autoridades nacionais de supervisão competentes com vista a obter uma abordagem coordenada da regulação e da supervisão das actividades financeiras novas ou inovadoras (artº 9, nº4).

Ainda no plano internacional, várias autoridades de supervisão congéneres da CMVM anunciaram num passado recente o desenvolvimento de novas actividades de supervisão no âmbito dos produtos financeiros complexos. Foram os casos, por exemplo, da Financial Services Authority (FSA) do Reino Unido, da Autorité des Marchés Financiers (AMF) de França, da Comisión Nacional del Mercado de Valores (CNMV) de Espanha e da Bundesanstalt für Finanzdienstleistungsaufsicht (BaFin) da Alemanha. A FSA considerou ser necessária uma intervenção prévia ao momento da comercialização dos produtos financeiros, ainda na fase da sua concepção, de modo a antecipar o surgimento de possíveis problemas e actuar tendo em vista evitar possíveis prejuízos para os investidores.[5] No caso da AMF, esta autoridade divulgou a sua nova posição em matéria de publicidade e de comercialização directa de produtos complexos (mesmo os que têm passaporte do prospecto), após ter constatado a existência de assimetrias de informação entre investidores de retalho e os emitentes/comercializadores desses produtos, de dificuldades dos investidores perceberem na íntegra esses produtos e de risco de que as entidades comercializadoras desses produtos não cumpram as suas obrigações.[6] A CNMV tem a possibilidade de apor nos documentos informativos de produtos financeiros complexos advertências aos investidores nesses produtos, chamando a atenção para algumas características financeiras específicas do produto em causa e que podem não estar adequadamente contempladas no preço do produto nem descritas no documento informativo.[7] Finalmente, em Abril de 2011 foi publicado na Alemanha o “Investor Protection and Function Improvement Act” que define requisitos mínimos de qualificação para alguns colaboradores de empresas de investimento e obriga ao registo desses colaboradores junto da BaFin.[8]

Em suma, não só tem havido um crescimento continuado do número de reclamações associadas a deficiências na actuação dos intermediários financeiros na comercialização de instrumentos financeiros, incluindo produtos financeiros complexos, como também um número muito relevante de peças que têm sido submetidas à apreciação da CMVM tem sido objecto de pedidos de alteração e/ou clarificação em virtude de evidenciarem várias lacunas. Também em termos internacionais se tem avançado no sentido de uma supervisão mais atenta, rigorosa e actuante no domínio dos produtos financeiros complexos. Entende-se, por isso, aconselhável rever e colocar em prática um novo modelo de supervisão que aprofunde a actividade já desenvolvida pela CMVM nesta matéria e permita assegurar uma melhor defesa dos interesses dos investidores.

Este modelo de supervisão pressupõe, como é natural, toda a colaboração e cumprimento dos destinatários, designadamente das instituições comercializadoras de produtos financeiros complexos. De facto, a transparência e o rigor no conteúdo dos documentos informativos e na publicidade, na comercialização e na realização dos testes de adequação, são essenciais para incrementar a confiança dos investidores e, consequentemente, para a sustentabilidade da própria actividade dos intermediários financeiros colocadores deste tipo de produtos.

2. O Enquadramento Legal

A CMVM foi criada em 1991, cabendo-lhe, nos termos delimitados na lei, a supervisão e a fiscalização dos mercados de valores mobiliários, bem como a sua regulamentação e promoção. A missão da CMVM é assegurar a protecção dos investidores, promovendo a eficiência, a equidade, a segurança e a transparência dos mercados de instrumentos financeiros.

Em particular, estão cometidas à CMVM as seguintes funções principais:

    • Regulamentação dos mercados de instrumentos financeiros e das actividades financeiras que neles têm lugar;
    • Supervisão dos mercados de instrumentos financeiros e das actividades dos intermediários financeiros;
    • Fiscalização do cumprimento das obrigações legais que impendem sobre as entidades encarregadas da organização e da gestão dos mercados de instrumentos financeiros, sobre os intermediários financeiros, entidades emitentes e outras entidades;
    • Protecção dos investidores e dos consumidores de serviços financeiros;
    • Promoção do mercado nacional de instrumentos financeiros, contribuindo para o seu desenvolvimento e para a sua competitividade no quadro europeu e internacional.

Assim, a protecção dos investidores é uma das principais missões da CMVM e como tal deve nortear a supervisão por si desenvolvida (art.º 358, alínea a) do Cod. VM.

No que respeita em particular aos produtos financeiros complexos, o Decreto-Lei n.º 211-A/2008, de 3 de Novembro, estabeleceu um regime de informação específico para estes produtos de forma a “permitir ao público o efectivo conhecimento das suas características e riscos”. Este diploma estabeleceu um regime específico para a comercialização e a publicidade de produtos financeiros complexos, passando a exigir a entrega aos investidores de um documento informativo com todas as características do produto e a aprovação prévia das respectivas mensagens publicitárias pelas autoridades de supervisão competentes. Passaram também a considerar-se produtos financeiros complexos os seguros ligados a fundos de investimento.

Este diploma determina a divulgação ao público como “produto financeiro complexo” dos instrumentos financeiros que, embora assumindo a forma jurídica de um instrumento já existente, têm características que não são directamente identificáveis com as desse instrumento, em virtude de terem associados outros instrumentos de cuja evolução depende, total ou parcialmente, a sua rentabilidade. Este normativo estipula ainda que as autoridades responsáveis pela supervisão destes produtos regulamentam os deveres de informação e transparência das mensagens publicitárias e os prospectos informativos respeitantes àqueles instrumentos, bem como o modelo de fiscalização daqueles deveres. O Regulamento n.º 1/2009 da CMVM, sobre produtos financeiros complexos, concretiza o disposto naquele Decreto-Lei, devendo ser considerado conjuntamente com o documento de natureza interpretativa, designado “Entendimento conjunto do Banco de Portugal e da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários quanto à delimitação de competências respeitante a produtos financeiros complexos” de 12 de Março de 2009.

O Regulamento nº 1/2009 da CMVM estabelece os requisitos mínimos aplicáveis ao documento informativo de produtos financeiros complexos e a obrigação de cumprimento de requisitos em matéria de publicidade relativa a produtos financeiros complexos, cuja observância deve ter em conta o conteúdo da mensagem publicitária e o meio de publicidade utilizado. O regulamento veio também introduzir alterações ao Regulamento da CMVM n.º 8/2007, no que respeita à comercialização de contratos de seguro ligados a fundos de investimento, passando o prospecto simplificado a identificar, em caixa destacada, os principais riscos do produto e sujeitando também a aprovação prévia as respectivas mensagens publicitárias.

3. A Política da CMVM

A política da CMVM que se anuncia corresponde, no essencial, aos princípios de actuação que desde sempre têm norteado a instituição, passando a incorporar alguns novos elementos que visam dar resposta à recente complexidade do mercado de produtos financeiros. Esta política terá igualmente de ser vista como uma evolução natural face aos recentes desenvolvimentos internacionais e à própria actividade de supervisão já desenvolvida pela CMVM. Inclui várias alterações (ou o aprofundamento de algumas exigências passadas) em matéria de supervisão da publicidade, de supervisão dos documentos informativos relativos a produtos financeiros complexos e de prospectos simplificados relativos a instrumentos de captação de aforro estruturado. Além disso, será emitida nova regulamentação de modo a contemplar a obrigatoriedade de cálculo e disponibilização (em determinadas condições) das probabilidades de ocorrência de alguns cenários de evolução, bem como a possibilidade de a CMVM fazer introduzir – dando corpo a uma política que se pode qualificar de mais “invasiva” - nos documentos informativos, prospectos simplificados e peças publicitárias algumas advertências aos investidores (à semelhança do que acontece noutras jurisdições), e proceder-se-á à uniformização dos documentos informativos e à eliminação de espaços residuais de arbitragem regulatória. Haverá ainda um reforço da supervisão das estratégias e práticas de comercialização e será promovida a transparência pós-comercialização deste tipo de instrumentos financeiros. A comercialização de produtos financeiros complexos e os termos em que são realizados pelos distribuidores os testes de adequação aos investidores serão, pois, objecto de supervisão reforçada, tendo em vista assegurar que a colocação deste tipo de produtos financeiros se coaduna com o perfil dos investidores que neles investem. Neste contexto, as entidades que distribuem este tipo de produtos serão objecto de especial atenção pela CMVM, que adoptará acções específicas (recorrendo à figura do “cliente mistério” ou actuando de forma identificada) no sentido de se certificar que as equipas de vendas revelam capacidade para i) entender o produto, ii) para perceber se esse produto corresponde às necessidades do cliente e iii) actuar sem quaisquer conflitos de interesse. Finalmente, a CMVM reforçará a emissão de informações e recomendações de natureza pedagógica dirigidas aos investidores, nomeadamente aos investidores em produtos financeiros complexos.

3.1 Criação do Comité de Inovação Financeira

Tendo em vista a prossecução da acima descrita política da CMVM sobre a supervisão de produtos financeiros complexos, em 16 de Fevereiro de 2011 o Conselho Directivo da CMVM criou o Comité de Inovação Financeira (CIF). O CIF tem como objectivo essencial centralizar e coordenar toda a intervenção da CMVM em matérias relacionadas com a inovação financeira – especialmente no domínio dos Produtos e Instrumentos Financeiros Complexos – do ponto de vista da protecção dos investidores. É também objectivo do CIF replicar, a nível nacional, a orientação estabelecida na regulamentação da ESMA de criação de um comité de inovação financeira naquela Autoridade. Como anteriormente referido, foi regulamentarmente consagrado, como parte integrante da ESMA, um Comité para a Inovação Financeira que reúne todas as autoridades nacionais de supervisão competentes com vista a obter uma abordagem coordenada do tratamento regulamentar e de supervisão das actividades financeiras novas ou inovadoras e a prestar aconselhamento que a ESMA faculta ao Parlamento Europeu, ao Conselho da União Europeia e à Comissão Europeia.

Entre as funções do CIF contam-se as seguintes:

i) analisar os documentos informativos dos pontos de vista da clareza, do rigor e da completude da informação ao investidor;

ii) analisar e propor ao Conselho Directivo da CMVM decisão relativa a publicidade de produtos financeiros;

iii) elaborar advertências genéricas e/ou específicas dirigidas aos investidores;

iv) elaborar recomendações a dirigir aos investidores sobre a aquisição de produtos financeiros e, em especial, sobre os complexos;

v) elaborar recomendações destinadas aos intermediários financeiros sobre a comercialização de produtos e instrumentos financeiros complexos;

vi) efectuar propostas de intervenção casuística da CMVM relativamente à distribuição de produtos complexos concretos ou à actuação de intermediários financeiros determinados;

vii) efectuar propostas de intervenção regulatória no âmbito da protecção ao investidor.

3.2. Reforço da Supervisão dos Documentos Informativos e dos Prospectos Simplificados

A CMVM tem emitido regulamentação e supervisionado a emissão (quando feita em território nacional) e, sobretudo (dado que abrange igualmente a venda de instrumentos emitidos em outras jurisdições) a comercialização de instrumentos financeiros visando reforçar a protecção dos investidores e a transparência de informação, de forma a garantir que são respeitados critérios de compreensão, adequação e transparência.

No domínio dos produtos financeiros complexos, o Regulamento da CMVM n.º 1/2009 definiu a estrutura do documento informativo sobre os produtos financeiros complexos que deve ser disponibilizado aos investidores em momento prévio ao da efectiva colocação desses produtos, e esse documento tem de ser comunicado à CMVM antes do início da comercialização ou colocação dos produtos.

Por sua vez, o Regulamento da CMVM n.º 8/2007 veio também definir, no âmbito das competências de supervisão da CMVM, relativamente aos contratos de seguro ligados a fundos de investimento (qualificados como produtos financeiros complexos) e aos fundos de pensões abertos de adesão individual, as regras respeitantes à comercialização desses produtos e a informação que deve ser prestada nesse âmbito aos investidores. Em particular, foi igualmente concretizado o conteúdo do prospecto simplificado e as regras relativas à publicidade.

A intervenção da CMVM no momento da produção do documento informativo ou do prospecto simplificado, sem prejuízo de a sua elaboração continuar a ser única e exclusivamente da responsabilidade dos intermediários financeiros, será mais interventiva, procurando o mais possível induzir e impor a clarificação do documento (especialmente induzindo destaque aos riscos e conflitos de interesses).

A política de supervisão da CMVM em matéria de documentos informativos (e prospectos simplificados) é, por isso, mais “invasiva”. Tal materializar-se-á, em princípio, numa maior eficácia da supervisão e será traduzida, numa primeira fase de adaptação dos intermediários financeiros à referida política, em mais pedidos formulados aos emitentes e comercializadores de produtos financeiros complexos para rectificar e/ou complementar a informação constante desses documentos, tendo em vista que a informação a que os investidores têm acesso tem de ter as características necessárias para permitir uma tomada de decisão fundamentada. Os exemplos da Caixa 2 são ilustrativos da situação descrita. A CMVM conta, todavia, que os próprios intermediários financeiros comercializadores de produtos financeiros complexos incorporem estas modificações, melhorando a qualidade dos documentos que produzem e da publicidade que sujeitam à aprovação da CMVM. Já há, aliás, alguns sinais encorajadores quer da receptividade dos intermediários financeiros, quer da sua maior responsabilização pelos documentos produzidos.

Caixa 2 – Alguns Exemplos de Erros e Inconsistências dos Projectos de Documentos Informativos

Exemplo 1: Obrigações de taxa indexada, em que o indexante era um índice de excesso de retorno S&P da América Latina. A descrição do produto referia que “a composição do índice subjacente é ajustada diariamente de forma a garantir uma volatilidade de 10%”. Contudo, a volatilidade histórica do subjacente apresentada no documento informativo para o período de três anos era de 11,05%, o que significa que o índice não garantia (isto é, não poderia garantir) uma volatilidade de 10%. O Documento Informativo também não descrevia que o subjacente era um índice de excesso de retorno (isto é, exprimia a diferença entre um índice de cotações e uma taxa de juro), pelo que a remuneração para o investidor não era tão elevada quanto se poderia supor.

Exemplo 2: Uma Note descrevia da seguinte forma os cenários possíveis na maturidade: i) “Se a cotação de fecho de todos os activos subjacentes forem iguais ou superiores a 65% do respectivo valor inicial, haverá lugar ao reembolso da Note ao valor nominal, acrescido de um cupão de 3,5% sobre o valor nominal”; ii) “Se a cotação de fecho de todos os activos subjacentes forem inferiores a 65% do respectivo valor inicial, a Note não paga cupão e será reembolsada ao valor nominal”. Assim, levantava-se a questão de saber o que aconteceria se, por exemplo, um dos activos subjacentes tivesse uma cotação inferior a 65% do respectivo valor inicial e um outro activo subjacente tivesse uma cotação superior a 65%. Nesta situação, o investidor não saberia quanto iria receber na maturidade.

Exemplo 3: Uma outra Note descrevia do seguinte modo a situação na maturidade: “Se o valor de referência de algum dos indexantes for inferior a 60% do seu valor inicial, a Note não paga cupão e será reembolsada ao valor nominal, deduzido da diferença entre o valor inicial e o valor final do subjacente com menor valor de referência, em percentagem, havendo perda parcial ou total do capital investido”. Neste caso, o que se pretendia era que fosse deduzida a desvalorização ocorrida no subjacente que tivesse tido o pior desempenho, e não aquele que tivesse o menor valor de referência.

Exemplo 4: Um seguro de vida ligado a um fundo de investimento tinha por designação “Renda Certa”. Contudo, este instrumento não tinha nem capital garantido nem rentabilidade garantida, pelo que a sua designação poderia induzir os investidores em erro.

Este conjunto de exemplos – que constitui uma ínfima parte das múltiplas situações detectadas - permite entender que muitos dos Documentos Informativos e Prospectos Simplificados que são submetidos à aprovação da CMVM não apresentam uma qualidade informativa consentânea com os padrões desejáveis. Sem prejuízo da responsabilidade última pelo conteúdo desses documentos ser sempre dos intermediários financeiros que os submetem para aprovação, a CMVM devolverá para reformulação as vezes que entender necessárias esses documentos até que todas as inconsistências detectadas sejam removidas e a informação apresente um nível de clareza aceitável.

A CMVM terá ainda um cuidado reforçado na supervisão das situações de potenciais conflitos de interesses. Com frequência, os emitentes dos produtos (e/ou os distribuidores) são também o agente de cálculo das respectivas rentabilidades, a rentabilidade do produto é baseada em índice(s) construído(s) pelo próprio emitente ou entidades a este ligadas, ou existe ampla discricionariedade na determinação de eventos extraordinários que influenciam de modo muito relevante a maturidade do produto ou a sua rentabilidade. A CMVM devotará uma atenção reforçada a estas situações, procurando evitar e prevenir que da emergência desses conflitos de interesses possam advir situações em manifesto prejuízo dos investidores. Todavia, um número muito relevante de produtos financeiros complexos são emitidos fora de Portugal e são comercializados no nosso país ao abrigo do passaporte europeu do prospecto. Tal significa que, nestes casos, é inviável a CMVM poder actuar no momento da concepção destes produtos e, consequentemente, terá reduzidos graus de liberdade no momento da elaboração dos respectivos documentos informativos.

Caixa 3 – Exemplos de Potenciais Situações de Conflitos de Interesses Decorrentes de Poderes Discricionários do Agente de Cálculo

Um produto financeiro complexo (uma credit linked note) tinha uma maturidade a 5 anos e havia a possibilidade de uma entidade de referência (para a averiguação da existência de um evento de crédito) poder ser substituída por uma outra entidade no seguimento de uma decisão do Comité da International Swaps and Derivatives Association, Inc. (ISDA). Todavia, no caso de o agente de cálculo entender que a decisão daquele Comité não é adequada, a substituição da entidade de referência será efectuada pelo agente de cálculo de forma discricionária.

Um outro produto (uma Note) tinha a sua rentabilidade associada a um cabaz de dois índices, o MSCI Egypt e o FTSE/JSE Africa. Durante o período de oferta, a bolsa egípcia foi encerrada na sequência das convulsões sociais que aquele país viveu no primeiro trimestre de 2011, razão pela qual o índice MSCI Egypt deixou de ser calculado. A bolsa do Egipto ainda se encontrava encerrada na data de emissão da Note. Após a data de emissão, e porque entretanto a bolsa daquele país ainda não tivesse reaberto e o índice respectivo ainda não pudesse ser calculado, o agente calculador da Note decidiu de forma discricionária alterar o cabaz de índices de que dependia a remuneração da Note, retirando desse cabaz o índice MSCI Egypt mas não o substituindo por nenhum outro, pelo que a rentabilidade da Note passou a depender exclusivamente de um único índice. Neste caso, o emitente do produto era uma subsidiária do agente calculador.

 

3.3. Reforço da Supervisão da Publicidade

Em matéria de publicidade relativa a produtos financeiros complexos, o Regulamento da CMVM nº 1/2009 impõe o cumprimento de alguns requisitos, que devem ter em conta o conteúdo da mensagem publicitária e o meio de publicidade utilizado. Em primeiro lugar, a publicidade depende da aprovação pela CMVM. Em segundo lugar, a informação nela constante deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, e deve conter sempre a indicação de que se trata de publicidade a um produto financeiro complexo. Em terceiro lugar, as advertências ao investidor são feitas em caracteres de tamanho pelo menos semelhante ao usado no corpo do texto para a descrição do produto financeiro complexo. Finalmente, em todas as acções publicitárias em que sejam divulgadas medidas de rentabilidade são também obrigatoriamente divulgadas outras menções (sobre rentabilidades passadas que não são garantia de rentabilidades futuras, sobre a (eventual) existência de garantia de rentabilidade, sobre se incluem ou não outros encargos a suportar pelo investidor, por exemplo), e devem conter ou não, consoante a mensagem publicitária, algumas características do produto financeiro complexo sobre o qual incide a publicidade.

A CMVM terá também uma intervenção actuante e rigorosa neste domínio, como já vinha acontecendo, visando assegurar a protecção dos investidores. Tal intervenção será pautada pelo rigoroso escrutínio das mensagens publicitárias, impedindo que possam induzir os investidores em convicções erradas relativamente aos produtos financeiros complexos que lhes são oferecidos. As mensagens publicitárias não podem ser enganadoras e sempre que destaquem virtudes do produto devem apresentar os riscos que são contrapartida dessas vantagens; as mensagens terão de ser claras e rigorosas, alertando sempre para os riscos associados a este tipo de produtos financeiros. Adicionalmente, será também escrutinado o cumprimento rigoroso das novas exigências em matéria de divulgação da probabilidade de ocorrência de alguns cenários, bem como da divulgação de um indicador de risco relativo ao produto objecto da mensagem publicitária.

Finalmente, a CMVM intensificará a supervisão à publicidade divulgada, com o objectivo de verificar se toda a publicidade divulgada foi ou não aprovada e se está de acordo com os termos em que o foi.

3.4. Exigências de Informação e na Publicidade

Uma das áreas onde tem sido mais evidente o desequilíbrio na informação constante dos documentos informativos, prospectos simplificados e peças publicitárias relativas a produtos financeiros complexos é a da divulgação de informação relativa aos diversos cenários de rentabilidade possível. Em geral, aqueles documentos têm quantificado com algum detalhe as situações de retorno mais favorável para os investidores, chegando a incluir no nome do produto a taxa de retorno máxima que o produto complexo poderia pagar. No entanto, idêntico cuidado com a quantificação da probabilidade de ocorrência desses cenários mais favoráveis, e com a quantificação ex-ante da probabilidade de perda de capital ou de retorno nulo para os investidores, não tem merecido a atenção dos emitentes desses produtos.

A CMVM, como já referido, realizou e divulgou publicamente em 2010 um estudo sobre a avaliação ex-ante de 9 produtos financeiros complexos comercializados em Portugal.[9] Aí se concluía que os produtos financeiros complexos analisados apresentavam retornos esperados inferiores aos salientados nas campanhas publicitárias (que em geral eram as rentabilidades máximas) e na maioria dos casos inferiores à de aplicações tradicionais alternativas com muito menor risco. No estudo era também concluído que os elevados retornos anunciados tinham uma probabilidade de ocorrência bastante reduzida. Alguns dos resultados mais significativos foram os seguintes:

    • um produto cuja campanha prometia uma taxa anual efectiva nominal (TAEN) máxima de 42,5% (este valor era publicitado), mas em que a TAEN média esperada não supera os 1,96%;
    • um produto cuja TAEN máxima publicitada foi de 25%, mas o valor esperado para essa taxa foi de 1,65%;
    • a média das rentabilidades máximas apresentadas pelos intermediários financeiros de todos os produtos financeiros complexos analisados foi de cerca de 13%; contudo, o valor médio provável encontrado no estudo foi de apenas 0,59%.

Já em 2011, a CMVM avaliou o retorno proporcionado por 12 produtos financeiros complexos de um intermediário financeiro, cuja maturidade (ou reembolso antecipado) tinha ocorrido entre Janeiro de 2010 e Fevereiro de 2011. Em 8 deles a taxa anual nominal bruta (TANB) foi de 0%; dois proporcionaram uma TANB semelhante à dos depósitos bancários; e apenas dois permitiram a obtenção das taxas de remuneração máximas que o produto poderia proporcionar, tendo sido reembolsados antecipadamente.

Atenta a assimetria e insuficiência de informação detectadas, que não permitem aos investidores dispor de toda a informação necessária para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, a CMVM considera necessária a aprovação de uma medida normativa que permita uma percepção o mais fidedigna possível da rentabilidade esperada dos produtos financeiros complexos. Assim, a CMVM emitirá regulamentação no sentido de ser proporcionada aos investidores informação que, designadamente, lhes proporcione uma adequada percepção da probabilidade de ocorrência dos diferentes cenários de que dependa a rentabilidade do investimento.

A CMVM aprovará também uma medida normativa que visa a introdução nos documentos informativos (bem como na publicidade) de um indicador de risco associado ao produto financeiro complexo. Tal indicador permitirá ao investidor formular uma ideia mais precisa sobre o risco incorrido no investimento nesse produto. Por fim, a CMVM terá uma exigência acrescida no tipo de expressões que podem ou não ser usadas, designadamente no âmbito da publicidade relativa a estes produtos.

3.5. Reforço da Supervisão das Estratégias e Práticas de Comercialização

Os emitentes passaram a ser questionados de forma mais intensa sobre as respectivas estratégias de comercialização e a forma como podem garantir que os produtos comercializados não são adquiridos pelos investidores sem o perfil de risco adequado. A CMVM intensificará também a sua supervisão, visando confirmar que os distribuidores dos produtos financeiros complexos conhecem o perfil dos investidores nestes produtos, que os documentos informativos estão disponíveis para serem entregues aos potenciais investidores antes da efectiva comercialização dos produtos, mas também que os testes de adequação são efectiva e eficazmente implementados.

No âmbito da distribuição dos produtos financeiros complexos, a CMVM igualmente procurará adoptar medidas no sentido de se assegurar que as equipas de vendas dos intermediários financeiros conhecem os produtos financeiros complexos que procuram colocar. Nesse sentido, a CMVM intensificará e desencadeará acções de supervisão com o objectivo de averiguar que as equipas de vendas encarregues da comercialização de cada produto conhecem as respectivas características e são capazes de responder às questões que lhes sejam colocadas, seja pela própria CMVM directamente, seja através dos chamados “clientes mistério”. A CMVM não aceitará que profissionais encarregues de oferecer os produtos financeiros complexos não sejam capazes de demonstrar conhecimento profundo sobre os riscos e demais características dos mesmos junto dos seus clientes. Nestes termos, será ponderada a eventual necessidade de registo prévio junto da CMVM dos elementos das equipas de vendas de produtos financeiros complexos.

3.6. Divulgação de Alertas e Inserção de Menções da CMVM

Não é intenção da CMVM intervir na configuração dos produtos que são oferecidos aos investidores. Os emitentes têm sobre si a responsabilidade de configurar os produtos financeiros complexos, de modo que sejam apropriados às necessidades e características do segmento de mercado alvo e não apenas de modo a assegurar o seu próprio financiamento e os seus próprios interesses. Também não é intenção da CMVM aconselhar nem recomendar o investimento em nenhum produto financeiro complexo em concreto. No entanto, a política da CMVM deverá evoluir no sentido de induzir ou estimular que na concepção dos produtos financeiros complexos sejam mais cuidadamente considerados os interesses dos investidores. A CMVM não deixará de exprimir a sua opinião sempre que entender que determinados produtos financeiros complexos apresentam características que devem ser especialmente tidas em consideração pelos investidores. Os próximos parágrafos descrevem algumas possibilidades de actuação da CMVM nesta matéria.

A CMVM detectou casos em que o “pricing” dos produtos, apesar de adequadamente descrito nos documentos informativos, era francamente mais favorável para o emitente do que para o investidor (ver Caixa 4). Este tipo de situações pode resultar da desigualdade da posição negocial de comercializador e investidor, bem como de assimetria de informação, e, a manter-se, pode levar a CMVM a ter uma intervenção mais ”invasiva”, designadamente através da imposição da inclusão obrigatória no boletim de subscrição, no documento informativo ou na peça publicitária de um alerta relacionado com esse facto.

Caixa 4 – Exemplo de “Pricing” de um Produto Financeiro Complexo


É efectuada de seguida a avaliação de um produto financeiro complexo emitido por um intermediário financeiro cujo pagamento do capital se encontra condicionado à evolução da cotação de uma determinada acção, analisando-se uma possível estratégia de “montagem” do produto e a subsequente de cobertura de risco que o intermediário financeiro poderá ter adoptado.

A maturidade deste produto é de 4 meses. Segundo o documento informativo, o investidor irá receber na maturidade 103% do valor inicialmente investido, o que corresponde a uma taxa efectiva de rentabilidade de 3%, se a cotação da acção de referência no horizonte temporal de 4 meses for superior ou igual a 85% da cotação dessa acção na data de subscrição do produto financeiro complexo. Porém, se a cotação da acção no final do horizonte temporal de 4 meses for inferior a 85% da sua cotação na data de subscrição do produto financeiro complexo, o investidor receberá um montante em dinheiro equivalente a 3% do valor inicialmente investido e uma quantidade de acções equivalente ao rácio entre o montante inicialmente investido e a cotação dessas acções na data de subscrição.

Uma estratégia possível para a cobertura do risco do produto comercializado pelo intermediário financeiro poderia passar por:

Venda de uma opção de venda (put option) sobre as acções de referência com preço de exercício idêntico a 85% da sua cotação na data de subscrição do produto financeiro complexo; e, simultaneamente,

Aplicação do valor recebido num activo sem risco de curto prazo (maturidade residual de 4 meses, igual à maturidade do produto financeiro complexo).

A avaliação do produto financeiro complexo foi efectuada com base no Modelo Black-Scholes ajustado a dividendos e os seguintes pressupostos: preço da acção de referência em 25/02/2011, às 10h30m: € 55,79; preço de exercício da put option: 85%*55,79 = € 47,4215; taxa de juro sem risco: Euribor a 4 meses em 25/02/2011, às 10h30m, que é de 1,18%; volatilidade anualizada da rentabilidade diária da acção de referência entre 25/02/2011 e 25/02/2010 = 41,11%; maturidade da put option igual a 4 meses/12 meses=0,33 anos; valor presente, em 25/02/2011, do dividendo esperado em 2011 da acção de referência[10] igual a €1,6929. O valor teórico da put option sobre a acção de referência é de € 2,111 e o prémio sobre o número de opções de venda implícitas no produto financeiro complexo é de €3,784.

O investimento inicial necessário para cobrir responsabilidades potenciais futuras de € 103 pelo intermediário financeiro, caso se verifique o cenário favorável, é de apenas € 98,81. Tal resulta da aplicação do valor presente de € 103 à Euribor a 4 meses (opção que é ainda assim conservadora) e da venda de 1,792 put options (€3,784). Conclui-se, pois, que o intermediário financeiro encaixa uma comissão de 1,2% do valor investido. Ademais, fica com um activo contingente de 18% do valor nominal investido que será encaixado case se verifique o cenário mais negativo para o investidor. O valor presente esperado deste activo contingente é de 6,62% do capital inicialmente investido.

[11] Assim, o valor presente da margem global esperada pelo intermediário financeiro ascende a cerca de 7,82% do valor inicialmente investido pelos investidores, quando a estes é oferecida uma remuneração máxima potencial de 3%.

Uma nota final para o facto de, uma vez verificado o cenário mais negativo, o investidor se ver confrontado com a entrega física das acções de referência o que (i) o obriga a abrir/manter uma conta de títulos para o efeito, tendo de suportar os custos a ela associados (que muitas vezes não são despiciendos), ou (ii) o força à alienação em mercado das acções, suportando neste caso os respectivos custos de transacção.

Conclui-se, em especial no caso dos produtos em que não existe garantia de capital, que é difícil para o investidor compreender a estrutura dos respectivos pagamentos e riscos envolvidos, bem como avaliar a justeza da repartição de valor com o intermediário financeiro. O risco destes produtos é superior em virtude da não garantia de capital, o que significa que a transparência dos respectivos cenários de rentabilidades deve ser reforçada, com o intuito de promover que os mesmos são colocados junto dos investidores a um preço justo. 

Foram também identificadas pela CMVM várias situações, descritas nos documentos informativos dos produtos, em que existe um evidente desequilíbrio das posições contratuais do emitente e do investidor (ver Caixa 5). Também nestes casos, a intervenção da CMVM deverá ser (ainda) mais “invasiva”, designadamente através da divulgação de alertas aos investidores e/ou da inserção obrigatória de menções da CMVM nos documentos informativos e prospectos simplificados de produtos financeiros complexos. Recorde-se, porém, que a intervenção da CMVM relativamente a grande parte destes documentos se limita à fase de comercialização, dado que a sua montagem e emissão ocorre em geral fora da sua jurisdição.

Caixa 5 – Desequilíbrio das Posições Contratuais de Emitente e Investidor

O produto financeiro complexo em causa é uma Note ligada a eventos de crédito, com maturidade máxima de 5 anos. A Note poderá ser reembolsada antecipadamente se ocorrerem determinados eventos na operação de swap contratada pelo emitente para cobrir os riscos em que o emitente incorria. Assim, i) se houver alterações fiscais que determinem a aplicação de retenção na fonte em relação aos montantes devidos ao abrigo da operação de swap e a contraparte dessa operação decida resolver o swap; ou ii) se ocorrer uma situação de incumprimento no âmbito das obrigações subjacentes ao swap contratado pelo emitente; ou iii) se ocorrer uma situação de resolução antecipada do swap contratado pelo emitente, então as Notes serão reembolsadas antecipadamente e o investidor receberá a diferença entre o valor dos instrumentos financeiros subjacentes à operação de swap e os custos incorridos pelo emitente com o reembolso antecipado (incluindo os custos relacionados com a dissolução da operação de swap). Nestes casos, o valor de reembolso pode ser inferior ao valor nominal das Notes.

Refira-se que o investidor no produto financeiro complexo nada tem a ver com a operação de swap profusamente referida no documento informativo do produto. Esse swap é contratado pelo emitente para cobrir o risco em que ele, emitente, se coloca aquando da emissão do produto financeiro complexo. Todavia, é o investidor no produto financeiro complexo que pode sofrer as consequências da resolução do swap em virtude da ocorrência de factos que lhe são completamente alheios, podendo não apenas ocorrer o reembolso antecipado como também haver perda de capital. Dito de outro modo, o investidor fica com o risco, mesmo de operações que não lhe dizem materialmente respeito (como é o caso da operação de swap contratada pelo emitente do produto financeiro complexo).

Uma nota final para o facto de esta Note não ter sido emitida no nosso país. A comercialização da Note em Portugal tem associada a figura do passaporte europeu do prospecto, o que impede a intervenção da CMVM na definição das características da Note.

 

3.7. Reforço da Emissão de Informações e Recomendações de Natureza Pedagógica Dirigidas aos Investidores

Uma outra área de intervenção da CMVM no âmbito da política relativa a produtos financeiros complexos está relacionada com a formação dos investidores. Atentas a sofisticação e o exotismo da maioria destes produtos, e as dificuldades manifestas dos investidores na sua compreensão e avaliação, a CMVM reforçará a emissão de informação relativa a produtos financeiros complexos, bem como de recomendações de natureza pedagógica dirigidas aos investidores, sobretudo os não profissionais.

Numa primeira fase, e em simultâneo com a difusão deste documento, será divulgado um documento sobre “Informação aos Investidores sobre Produtos Financeiros Complexos”, que conterá uma breve descrição das principais características e riscos de alguns tipos de produtos financeiros complexos. Este documento incluirá também um glossário dos principais termos associados aos produtos financeiros complexos. Nesta mesma altura é divulgado um documento com “Recomendações aos Investidores em Produtos Financeiros Complexos”, através do qual serão efectuadas recomendações de natureza pedagógica dirigidas aos investidores neste tipo de instrumentos financeiros. No futuro serão produzidas e divulgadas recomendações mais específicas, sempre que se entenda que essa é a melhor forma de cumprir os objectivos da política enunciada neste documento.

A CMVM ponderará a hipótese de emitir recomendações dirigidas às entidades distribuidoras com o objectivo de as orientar para as melhores práticas nos actos de aconselhamento e de comercialização de produtos financeiros complexos. Paralelamente, o sítio da CMVM na internet será objecto de uma profunda reestruturação na área do apoio ao investidor.

No domínio das reclamações e queixas dos investidores, a CMVM consolidará a sua política mais rigorosa do tratamento das reclamações, e procurará aumentar a eficácia e eficiência desse tratamento. Os prazos de resposta e de resolução das reclamações apresentadas pelos investidores serão encurtados, e será disponibilizado aos reclamantes o acesso informático a uma ferramenta que permitirá consultar o estado do respectivo processo. A CMVM passará também a elaborar e divulgar um relatório anual que tratará não só dos assuntos mais versados das reclamações mas também das entidades alvo de reclamações em maior número ou de maior relevo, e avaliará se os comercializadores de produtos complexos dispõem de mecanismos efectivos para o tratamento das queixas e reclamações dos investidores.

3.8. Reforço da Transparência Pós-Comercialização

A fase posterior à comercialização dos produtos financeiros complexos merecerá também a atenção da CMVM na medida em que é importante monitorizar os produtos financeiros complexos durante toda a sua vida. A CMVM acompanhará a emissão e o reporte dos montantes emitidos destes produtos, monitorará e divulgará a sua rentabilidade efectiva na maturidade ou na data de vencimento antecipado. No entanto, para que tal seja possível, será emitida nova regulamentação ou proceder-se-á à emissão de novas instruções, consoante o caso, de forma a permitir à CMVM receber a informação necessária e poder proceder à sua divulgação pública através do respectivo sítio na internet.

As obrigações de divulgação de informação periódica aos investidores nestes produtos sobre a evolução do valor das aplicações efectuadas serão também reforçadas, o que permitirá aos investidores melhor acompanhar o valor dos seus investimentos.

3.9. Uniformização dos Documentos Informativos e Eliminação de Espaços Residuais de Arbitragem Regulatória

Os Regulamentos da CMVM nºs 8/2007 e 1/2009 serão reavaliados e reapreciados, quer para concretizar algumas das medidas antes enunciadas que careçam de intervenção regulamentar, quer de forma a harmonizar as exigências informativas relativas a produtos financeiros complexos e aos designados instrumentos de captação de aforro estruturados. Tal potenciará uma melhor comparabilidade entre os diversos tipos de produtos financeiros complexos, e permitirá eliminar espaços residuais de arbitragem regulatória que ainda subsistem. Também é de esperar a eliminação, num futuro próximo, das diferenças existentes entre os conceitos de instrumento financeiro complexo e de produto financeiro complexo.

3.10. O Papel das Entidades Comercializadoras e dos Emitentes de Produtos Financeiros Complexos.

O reforço da política de supervisão e de protecção dos investidores que ora se apresenta implica, desejavelmente, uma forte cooperação dos intermediários financeiros, comercializadores e emitentes de produtos financeiros complexos aos seus princípios e vectores. A construção de uma sólida relação de clientela e de confiança entre intermediário financeiro e cliente não é possível se a estes forem sistematicamente oferecidos produtos de funcionamento imperceptível, que se traduzem com grande probabilidade em perdas elevadas ou remunerações muito baixas com que estes não contavam, que não era devidamente evidenciada ao nível da informação disponibilizada.

O aumento da intervenção da CMVM na publicidade, nos prospectos simplificados e nos documentos informativos tem também um efeito pedagógico relevante. À medida que recebem as sugestões e solicitações de alteração desses documentos por parte da CMVM, é natural e expectável que os intermediários financeiros as incorporem nos futuros textos e peças publicitárias, melhorando a qualidade geral da intermediação financeira e da confiança dos investidores, por virtude de mais e melhor informação.

O papel das estruturas de controlo interno dos bancos e outras instituições colocadoras de produtos financeiros é, igualmente, essencial, e desdobra-se em duas tarefas essenciais:

    • Assegurar que a prática de cumprimento das regras legais e regulamentares e orientações da CMVM, bem como a necessidade de prevenção de conflitos de interesses, é assimilada por toda a organização do intermediário financeiro, quer ao nível da concepção do produto financeiro, quer da informação e da publicidade associadas à sua comercialização;
    • Garantir o acesso à formação e informação dos próprios colaboradores da instituição sobre os produtos financeiros que comercializam, de modo a respeitar o princípio da adequação e a reforçar a acção dos investidores.

A CMVM espera, pois, que os intermediários financeiros nacionais actuem – seja na qualidade de entidades comercializadoras, seja simultaneamente na qualidade de entidades comercializadores e emitentes – em conformidade com o papel aqui enunciado, o qual deve ser visto como parte integrante da política de protecção dos investidores acabada e enunciar.

4. A Racionalidade da Política da CMVM

4.1. A Questão da Concorrência: Oferta e Procura

Uma das questões essenciais subjacentes a uma intervenção de natureza regulatória está relacionada com a existência de uma ou mais falhas de mercado, concretizadoras de situações de pouca concorrência ou de concorrência não efectiva. Tal poderá resultar de problemas relacionados com a oferta e/ou com a procura.

No que respeita à oferta de produtos financeiros complexos, não parece haver um número insuficiente ou diminuto de emitentes nem de produtos financeiros com estas características comercializados no nosso país. Muito pelo contrário, entre 1 de Janeiro de 2007 e 23 de Março de 2011 foram emitidos e comercializados pelo menos 4886 produtos diferentes,[12] por cerca de três dezenas de intermediários financeiros diferentes.

[13]
Cerca de 85% destes produtos (a maioria dos quais são warrants autónomos) foram emitidos por intermediários financeiros não nacionais. Entre os indexantes utilizados encontram-se índices (DAX, Ibex35, Nasdaq100, Nikkei225, PDI20, S&P500, entre outros), commodities (ouro, prata, crude, entre outros), taxas de câmbio (euro/dólar, por exemplo) e acções de empresas nacionais e estrangeiras, entre outros. Donde, nem em termos de número de emitentes, nem em termos de diversificação, se pode concluir que a oferta existente em Portugal seja indiciadora da existência de problemas de insuficiência de oferta.

No que respeita à procura, um número muito relevante de emissões de produtos financeiros complexos é destinado a ofertas particulares, não sendo comercializados directamente no retalho. No entanto, alguns destes produtos são adquiridos para carteiras geridas por institucionais (como fundos de investimento, carteiras de gestão discricionária ou produtos do sector segurador) sendo, por isso, indirectamente adquiridos por investidores não profissionais. Além disso, são também em número não despiciendo as emissões que são directamente colocadas no retalho, sendo, por conseguinte, produtos a que os investidores não profissionais podem afectar directamente as suas poupanças.

Qualquer que seja o canal através do qual os investidores não profissionais investem nestes produtos financeiros complexos, levanta-se a questão de saber se as decisões de investimento são bem fundamentadas. Inquéritos ao perfil do investidor efectuados pela CMVM têm concluído por um deficiente nível de conhecimento de matérias de natureza financeira evidenciado pelo investidor individual português em valores mobiliários.

[14]
Mais recentemente, também o Inquérito à Literacia Financeira conduzido pelo Banco de Portugal evidenciou sérias lacunas na população portuguesa.
[15]
Ademais, os produtos financeiros complexos têm em geral características (particularmente as associadas ao retorno e ao risco do investimento) que não são facilmente perceptíveis pelos investidores, mesmo aqueles que dispõem de maiores conhecimentos.

Por outro lado, os produtos e serviços financeiros têm em geral especificidades que os diferenciam dos produtos e serviços não financeiros:

    • não são adquiridos com frequência, pelo que são em número reduzido os investidores que aprendem com a experiência;
    • o valor do contrato, por vezes, depende do comportamento do vendedor ou do emitente ou de terceiros após a sua celebração;
    • pode não existir garantia de qualidade ou de reparação se o produto for de baixa qualidade;
    • o contrato perde valor se o emitente e/ou o vendedor ficarem insolventes;
    • o investidor necessita frequentemente de conselho para a aquisição destes produtos, o que faz surgir a questão dos conflitos de interesses;
    • o emitente e/ou o vendedor podem omitir facilmente informação relevante, ou ser pouco transparentes na transmissão dessa informação;
    • os produtos não podem ser experimentados antes da sua aquisição;
    • o custo do produto pode não ser inteiramente conhecido no momento da compra, ou pode ser omitido;
    • a compra estabelece frequentemente um vínculo futuro com o emitente e/ou com o vendedor;
    • pode ser necessário um período de tempo longo antes de o investidor se aperceber do valor e das falhas de um contrato financeiro.

Em suma, pode ser muito difícil para os investidores perceber (mesmo para os mais esclarecidos), comparar e decidir pelo investimento em produtos financeiros complexos. Muito frequentemente, também os investidores são incapazes de aprender com os seus próprios erros de forma a, por sua própria iniciativa, colocarem uma pressão adicional sobre os intermediários financeiros no sentido de estes emitirem e comercializarem produtos de melhor qualidade e valor.

4.2. A divulgação de Informação Obrigatória e Padronizada

Neste quadro, levanta-se a questão de saber se os intermediários financeiros têm ou não incentivos para prestar a informação relevante sobre produtos financeiros complexos sem que sejam a isso obrigados. Muito frequentemente são identificadas situações em que os intermediários financeiros podem beneficiar da utilização de informação omissa ou pouco clara.

Há três argumentos essenciais para justificar a obrigatoriedade da divulgação de informação relevante. Em primeiro lugar, a obrigatoriedade de os intermediários financeiros divulgarem informação padronizada contribui para uma tomada de decisão mais fundamentada, facilitando as decisões dos investidores, constituindo assim uma externalidade positiva. Em segundo lugar, a prestação de informação por todos os intermediários financeiros na mesma base facilita a comparação de produtos alternativos e reduz os custos de transacção dos investidores. Finalmente, muitas vezes o investidor tem dúvidas sobre aquilo que é informação relevante, pelo que a definição do que deve ou não ser divulgado publicamente ajuda o investidor a ter uma melhor percepção daquilo que é mais relevante.

Ao nível Europeu e no contexto dos organismos de investimento colectivo em valores mobiliários (OICVM) harmonizados, já foi produzida orientação sobre esta matéria. A Comissão Europeia emitiu em 2010 o Regulamento (EU) nº 583/2010 de implementação da Directiva 2009/65/EC, e o CESR desenvolveu um template relativo ao documento Key Investor Information (KII), que contém a informação padronizada a divulgar no caso destes fundos de investimento, de forma a ser atingido um nível de clareza de linguagem e simplicidade de apresentação na informação essencial que seja facilmente compreendida por investidores não profissionais e que possa ser por eles usada para fundamentar as suas decisões de investimento. Ademais, reconhecendo a natureza mais complexa de OICVM estruturados, foram também produzidas orientações especiais para este tipo de produtos, tendo em vista a prossecução daquele objectivo. Ao nível dos PRIP (Packaged Retail Investment Products), a Comissão Europeia lançou uma consulta pública (que terminou a 31 de Janeiro de 2011) relacionada com os problemas detectados ao nível da informação fornecida e relativa a produtos com aquelas características, tendo em vista a emissão de nova regulamentação sobre a divulgação de informação a eles relativa e ainda sobre a distribuição desses produtos. A Comissão Europeia entende que é fundamental assegurar que as características essenciais dos produtos com a natureza de PRIP sejam divulgadas antes de os investidores tomarem as suas decisões de investimento e de forma que seja compreendida e usada pelo investidores nos seus processos de tomada de decisão.

A exigência de requisitos de informação permite o reforço da concorrência de preços, levando também à melhoria da percepção dos investidores sobre as características dos produtos em que podem investir as suas poupanças. Contudo, a eficácia da informação obrigatória e padronizada depende em última instância do modo como a informação é usada pelos investidores; a divulgação de informação só é eficaz quando os investidores lêem e interpretam correctamente essa informação, ou quando usam a informação que lhes é transmitida por consultores para investimento ou outros especialistas, usando-a para a tomada de decisões mais fundamentadas. Em última instância, porém, os investidores são responsáveis pelas decisões tomadas sobre o investimento das suas poupanças.

4.3. A Estratégia de Distribuição dos Produtos Financeiros Complexos

Um número muito relevante (133) de produtos financeiros complexos sobre os quais a CMVM foi chamada a pronunciar-se durante o ano de 2010 em matéria de documentos informativos era destinado a oferta particular. Este número corresponde a cerca de 53,2% do total de Documentos Informativos analisados pela CMVM naquele ano. No entanto, mesmo nestes casos, as ofertas eram dirigidas a investidores profissionais e não profissionais.

Acontece que os incentivos para a distribuição destes produtos podem não estar alinhados com os interesses dos investidores. Tal pode acontecer quando, por exemplo, o distribuidor do produto é distinto do emitente, pagando o emitente uma comissão ao distribuidor/comercializador do produto. Tal poderá provocar conflitos de interesses entre o comercializador (que muitas vezes também dá aconselhamento financeiro) e o investidor, provocando algum enviesamento no(s) produto(s) que é (são) vendido(s). Apesar da existência deste potencial conflito de interesses ser actualmente reconhecida nos documentos informativos dos produtos financeiros complexos, é essencial que os intermediários financeiros implementem estratégias correctas de comercialização que permitam mitigar a ocorrência desses conflitos. Com efeito, os produtos não são apropriados para todos os clientes investidores. Um produto complexo, com uma maturidade longa, possível perda de capital e retorno não garantido pode ser apropriado para alguns investidores mais conhecedores e sofisticados, com maior apetência pelo risco, mas não ser adequado para investidores com menor literacia financeira, ou mais idosos, ou com necessidades de liquidez, pelo que uma estratégia de comercialização indiscriminada, sem que esteja claramente identificado o segmento alvo, não é manifestamente apropriada. Os intermediários financeiros devem, portanto, estar preparados para demonstrar que têm uma estratégia clara e credível para identificar os potenciais clientes desses produtos e efectuar-lhes os necessários testes de adequação, nos termos da legislação em vigor.

5.  Alternativas de Política  

A decisão de desenvolver e aprofundar a estratégia de supervisão da CMVM em matéria de produtos financeiros complexos contemplou algumas alternativas de política. Todavia, seja porque a actual legislação não permite a sua implementação, seja porque a sua eventual implementação necessita de ser mais profundamente ponderada e amadurecida em virtude de essas medidas alternativas serem bastante mais “agressivas” do que as agora anunciadas, corresponderem a uma estratégia mais limitadora da inovação financeira e poderem implicar uma dotação de recursos, principalmente humanos, incomportável, não se considerou oportuno enveredar por essas medidas. A opção por tais alternativas poderá vir a ser ponderada num futuro próximo caso seja concluído que as iniciativas ora implementadas se revelem pouco eficazes. A aprovação prévia, pela CMVM, de novos produtos, a proibição de comercialização de produtos ou de algumas características de produtos uma intervenção sobre o preço dos produtos, a proibição de comercialização de alguns produtos junto de determinados tipos de investidores, são alguns exemplos de medidas com a natureza acima enunciada.

Fundamental nesta matéria, antes de tomar qualquer decisão sobre o aprofundamento de medidas de política, é considerar o grau de realização dos objectivos a que a CMVM se propôs com as medidas agora enunciadas, por um lado, e o nível de harmonização legislativa que for sendo conseguido ao nível europeu, por outro lado. A este propósito, é de salientar que o já referido Regulamento (EU) nº 1095/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho refere explicitamente que a ESMA pode proibir ou restringir temporariamente determinadas actividades financeiras que ameacem o funcionamento ordenado e a integridade dos mercados financeiros ou a estabilidade da totalidade ou de parte do sistema financeiro da União em determinadas situações e condições, e que pode igualmente avaliar a necessidade de proibir ou restringir determinados tipos de actividades financeiras e, se necessário, informar a Comissão Europeia, a fim de facilitar a imposição de qualquer proibição ou restrição (artº 9, nº 5).



As preocupações da CMVM subjacentes à política expressa neste documento são relativas a produtos financeiros complexos, mas igualmente envolvem instrumentos financeiros complexos que, ainda que não abrangidos pelo Regulamento da CMVM nº 1/2009, se revistam de complexidade técnica ou apresentem potenciais conflitos de interesse em termos similares aos dos produtos financeiros complexos.
[2]
Os fundos especiais de investimento não estão abrangidos pelo Regulamento da CMVM nº 1/2009 e, portanto, não são considerados produtos financeiros complexos. Porém, as suas características justificam, em geral, preocupações similares às que são expressas neste documento relativamente aos produtos financeiros complexos.
[3]
Não estão aqui incluídos os documentos informativos relativos a warrants.
[4]
Estudo Nº.1/2010 «Produtos Financeiros Complexos: Metodologias para a sua avaliação», CMVM, Fevereiro de 2010, disponível em
http://www.cmvm.pt/CMVM/Estudos/Em%20Arquivo/Documents/EstudoCMVM12010.pdf
[5]
Para mais detalhes, consultar “Product Intervention”, Financial Services Authority, Discussion Paper 11/1, January 2011.
[6]
Para mais detalhes, consultar “AMF position 2010-05 – Marketing of complex financial instruments”.
[7]
Nos termos do artº 13 da Ley del Mercado de Valores.
[8]
Para mais detalhes, consultar “BaFin Quarterly, Q1/11”, BaFin, Abril 2011.
[9]
[10]
Não sendo este valor conhecido à data dos cálculos, assumiu-se o mesmo dividend yield de 2010 e a mesma data de pagamento. Esta assumpção parece razoável uma vez que os resultados da empresa que emite as acções cresceram de forma relevante entre 2010 e 2011.
[11]
Calculado pelo método de Reiner e Rubinstein (1991), “Unscrambling the Binary Code”, Risk Magazine, 4 (9).
[12]
Segundo dados da StructuredRetailProducts.com.
[13]
Não estão incluídos unit-linked, fundos de pensões e fundos especiais de investimento, mas estão incluídos warrants autónomos.
[14]
Ver “2º Inquérito ao Perfil do Investidor Particular Português em Valores Mobiliários”, disponível em http://www.cmvm.pt/CMVM/Estudos/Pages/20010501_pipp_indice.aspx , ou “O Perfil do Investidor Particular Português”, Estudos da CMVM nº 3/2009, disponível emhttp://www.cmvm.pt/CMVM/Estudos/Em%20Arquivo/Pages/O%20Perfil%20do%20Investidor%20Particular%20Português.aspx#3.
[15]
Inquérito à Literacia Financeira da População Portuguesa – Síntese de Resultados (2010), Banco de Portugal.
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