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Comunicados

Intervenção de Luís Laginha de Sousa, presidente da CMVM, na Abertura da Conferência Anual 2023 “Um futuro mais aberto ao mercado"




Intervenção na Conferência Anual da CMVM 2023

 

Fundação Calouste Gulbenkian

23 de maio de 2023

 

Luís Laginha de Sousa

Presidente da CMVM

 

 

Muito bom dia a todos.

 

Quero começar por agradecer a presença do Senhor Ministro das Finanças.

Quero também agradecer a todos os oradores e moderadores desta conferência que aceitaram o convite para estarem connosco. Se me permitem, passo brevemente para inglês. A quick note in English to express my gratitude to our English speaking guests Martina Scopsi, from the European Commission, and Sujit Kapadia, from the European Central Bank, for joining us today, either in person or online. Thank you to both of you and back to Portuguese.

Estendo também o agradecimento a todos os concorrentes aos prémios José Luís Sapateiro e Inovação Financeira, que iremos hoje entregar aos vencedores e, naturalmente, agradeço a todos os que estão aqui presentes para assistir a esta conferência, bem como aos que nos acompanham online.

Deixo também uma nota de reconhecimento à equipa da CMVM que permitiu a realização deste evento. Não vou dizer os nomes, mas a equipa sabe a quem me refiro. O vosso empenho é notável e contagiante.

Um último agradecimento muito especial dirigido à Fundação Calouste Gulbenkian, na pessoa do Professor José Neves Adelino e da Dra. Cristina Casalinho, por nos terem permitido a oportunidade de disfrutarmos deste espaço, que é simultaneamente de excelência e muito inspirador.

E mais à frente terei oportunidade de partilhar algumas reflexões, totalmente alinhadas com o tema que nos trouxe aqui hoje, e que são inspiradas neste local.

Aqueles que nos têm dado o prazer de participar nas conferências anuais da CMVM terão reparado que o formato deste ano é diferente. De facto, optámos por reduzir a duração da conferência, mas fizemo-lo sem beliscar a relevância do conteúdo.

O tema que escolhemos para esta conferência "Um futuro mais aberto ao mercado de capitais" para além de ser autoexplicativo é também aspiracional. E o aspiracional tem a ver com a convicção profunda de que, para atingir muito do que desejamos para o nosso país e para todos os portugueses, iremos necessitar de níveis elevados de crescimento e de desenvolvimento económico sustentável, e isso não é possível sem maior recurso ao mercado de capitais. E esta nota traz-me aos pontos principais que gostaria de partilhar convosco.

Os pontos são essencialmente dois. O primeiro tem a ver com os desafios que enfrentamos, tal como são percebidos a partir do ponto de observação da CMVM. O segundo tem a ver com os elementos que são necessários para ultrapassar esses mesmos desafios e tentar perceber se temos motivos para confiar que o nosso país dispõe desses elementos e os pode utilizar.

Quando tentamos identificar os principais desafios que se colocam ao nosso país, às nossas empresas e aos nossos cidadãos, creio que há pelo menos cinco que são absolutamente incontornáveis.

O primeiro prende-se com assegurar a estabilidade financeira e prevenir a acumulação e materialização de risco sistémico num contexto, caracterizado por um período de inflação e taxas de juro elevadas e de grande instabilidade geopolítica. Trata-se de um pressuposto essencial para que os agentes económicos possam tomar, de forma racional, as suas decisões de consumo, de poupança e também de investimento, e que por isso impacta o funcionamento de toda a economia.

O segundo desafio é concretizar a transição energética e também digital, de uma forma que não se traduza em deterioração dos níveis de bem-estar económico e social. A questão não é tanto se fazemos a transição, porque ela acabará por ser feita, mas sim como e com que consequências a fazemos.

O terceiro desafio tem a ver com atrair e reter talento, sobretudo num contexto de uma economia cada vez mais global, com elevada mobilidade do trabalho qualificado, potenciada por novas formas de trabalho à distância. Os números sobre esta realidade no nosso país não dão margem para dúvida.

O quarto desafio é o de garantir a sustentabilidade das pensões de reforma em moldes que evitem fortes quebras de rendimento após a saída da vida ativa. E sobre isto gostaria que retivessem um número: 56,7%.

O número traduz o rácio de dependência de pessoas idosas que se estima para 2050 na Europa. Este rácio significa que, para uma pessoa acima dos 65 anos de idade, existirão menos do que duas pessoas em idade ativa (dos 20 aos 64). Portugal está no grupo dos países da União Europeia com piores dados neste domínio. O sistema de pensões tal como está não irá suportar a taxa de substituição que hoje conhecemos.

O quinto e último desafio que gostaria de partilhar é o que se pode chamar o três em um. Refiro-me à necessidade de aumentar a produtividade e competitividade para assegurar o crescimento económico, três variáveis que são imprescindíveis e indissociáveis.

Identificados os desafios que enfrentamos, a questão que se coloca é: como ultrapassá-los?

Isso leva-me ao segundo ponto desta minha intervenção que é, justamente, indicar quais os elementos que são necessários para ultrapassar esses desafios e tentar perceber se temos motivos para confiar que o nosso país dispõe desses elementos e os pode utilizar. Existem pelo menos dois elementos essenciais para lidar com estes desafios, sem prejuízo, naturalmente, da necessária intervenção de políticas públicas.

Um elemento passa pela necessidade de criar riqueza e aí não nos podemos esquecer de que as empresas são o principal instrumento de geração de riqueza que a humanidade inventou.

Um segundo elemento incontornável é promover o acesso dos cidadãos, que são o princípio, meio e fim de todas as atividades, aos benefícios gerados por esse instrumento de criação de riqueza que são as empresas.

Deixem-me detalhar um pouco mais cada um destes elementos, começando pelo caso das empresas. Apesar das empresas serem o principal instrumento gerador de riqueza as condições propícias para que isso aconteça têm de estar reunidas. E para criar e manter essas condições há princípios muito simples, que vêm de um passado distante, que continuam a ser totalmente válidos no nosso tempo e continuarão a manter-se no futuro. Um dos princípios é o que estabelece que existe uma ligação entre risco e retorno, mais concretamente para assumir riscos é necessário haver uma expectativa de retorno e só existe retorno positivo e sustentável, se houver capacidade de assumir risco.

Por outras palavras, retorno sem risco é sorte, logo de baixíssima probabilidade. O outro princípio igualmente importante é o que estabelece que, quanto maior o risco, mais sólida deve ser a estrutura financeira. A aplicação destes princípios tem uma ligação genética com o mercado de capitais.

Ainda em relação às empresas, precisamos de todas os que possam dar um contributo líquido positivo para o desenvolvimento e crescimento do país, por muito pequeno que esse contributo seja. E isso significa que as micro, pequenas e médias empresas devem ser merecedoras do nosso maior apreço e reconhecimento, na medida em que também dão esse contributo, para além de que nada nasce grande.

Mas nós precisamos, e muito, de ter também empresas grandes e muito grandes. A sensação com que se fica é a de existir uma linha imaginária definida pela dimensão das empresas. Abaixo dessa linha, as empresas são virtuosas por serem micro, pequenas e médias e, acima dessa linha, quando se tornam grandes, as empresas perdem todas as virtudes.

É fundamental eliminar o enviesamento que leva a que a opção racional pareça ser ficar eternamente micro, pequeno ou médio. Esta perspetiva está profundamente errada porque a escala é um dos elementos imprescindíveis à competitividade. A escala permite a especialização e a especialização permite melhorar a produtividade que, por sua vez, permite melhores remunerações quer para o capital, quer, sobretudo, para o trabalho.

A escala também é essencial para lidar com os volumes de investimento que são necessários para os desafios que eu já referi. Quando conjugamos escala com a necessidade de assumir riscos, e também de os gerir, e com estruturas de financiamento adequadas, se se prescindir do mercado de capitais isso significa prescindir de um meio para o qual não existe um substituto adequado. E os números demonstram o quanto temos prescindido desse meio.

Mais um número que gostaria que ficasse na memória e que suporta o que acabei de dizer. Este número, 62%, diz respeito à proporção dos empréstimos bancários no total da dívida das empresas portuguesas no final de 2022, sendo a proporção de títulos de dívida de 12%.

Esta é, muito provavelmente, uma situação que é limitadora da ambição de muitos empresários. Provavelmente, haverá quem esteja neste momento a pensar "isso é tudo muito bonito", mas o problema é que nós não temos capital suficiente em Portugal. E isso leva-me a abrir um parêntesis para voltar à importância do local onde estamos. Mais concretamente, gostaria de partilhar duas importantes mensagens que podem ser associadas a este local.

Uma é a mensagem de que "o capital não tem pátria mas a pátria pode atrair capital", como foi o caso, com a capacidade de atrair para Portugal o capital, do Sr. Calouste Gulbenkian. A outra mensagem é a de que o capital não é em si mesmo negativo, contrariamente ao que muitas vezes se quer fazer crer.

Quando o capital é gerado ou obtido de forma honesta e usado para gerar valor, criar emprego, trazer produtos e serviços melhores e mais acessíveis a todos, desenvolver energias mais limpas, promover mais riqueza e mais acesso a essa riqueza, creio que dificilmente poderemos ter uma perspetiva negativa face ao mesmo.

Pelo que acabei de dizer e por muito mais que pudesse acrescentar, é importante contrariar, quer com palavras, quer com ações concretas, os populismos que só conseguem ver no capital um inimigo do bem comum.

Há que ter presente que o capital, sendo um stock, é muito provavelmente, e em larga medida, o resultado não só de muito esforço, mas também do esforço de muitos. Isso significa que tratar bem o capital é também tratar bem o esforço de todos aqueles que permitiram que esse mesmo capital pudesse ter sido acumulado. E tratar bem significa, entre outros aspetos, ser alocado de forma eficiente na economia, ser adequadamente remunerado face aos riscos que vai suportar e ter condições para poder continuar a crescer.

Por isso, tratar bem o capital que não tem pátria é importante, mas apesar de importante, não basta. É também importante tratar bem o capital dos nossos compatriotas e há dados que nos deviam fazer pensar, e também agir, e permito-me realçar dois pontos para sublinhar a importância de assegurar esse bom tratamento do capital de base nacional.

O primeiro ponto tem a ver com o número que estão a ver. Em Portugal, são cerca de 1 200 000 indivíduos que são detentores de instrumentos financeiros. Se tivermos presente que só 4 445 (num total de 5 575 084) agregados familiares têm um rendimento bruto igual ou superior a 250 000 euros, e só 23 849 é que estão no escalão mais alto do IRS (correspondente a um rendimento superior a 80 640 euros) facilmente percebemos que se tratarmos mal o capital tratamos mal a poupança de muitos cidadãos que estão longe, mas mesmo muito longe, de poderem ser considerados capitalistas.

O outro ponto que gostaria de referir também nos deve dar que pensar. O número que estão a ver é de Portugal e significa que os depósitos representam 60% do investimento em produtos financeiros. Na Suécia, que tem uma população da dimensão da portuguesa, mais de 80% do investimento em produtos financeiros está noutros instrumentos que não depósitos.[1] Adicionalmente, mais de 2 milhões de suecos investem em ações de empresas suecas. E o que acabei de referir diz respeito ao segundo elemento que é necessário para lidar com os desafios que enfrentamos. Refiro-me naturalmente aos cidadãos nas diferentes facetas que podem assumir.

Se acreditarmos que as empresas são o principal instrumento de criação de riqueza da sociedade em que nos inserimos, o mercado de capitais é o meio através do qual podemos não apenas canalizar os recursos adequados para as empresas, mas também permitir que todos os cidadãos possam aceder ao seu potencial de retorno, como o exemplo sueco bem o demonstra.

Atendendo a que a minha intervenção já vai longa, quero concluir com três breves mensagens. A primeira é relativa a uma palavra que é absolutamente essencial para o bom funcionamento do mercado. Refiro-me naturalmente à palavra "confiança".

O mercado de capitais é o espaço onde as empresas e os investidores se podem encontrar, mas o encontro só se faz e só produz resultados se existir uma base de confiança suficientemente ampla e sólida.

Confiança nas empresas, nos seus projetos, na sua governance. Confiança nos intermediários, nos operadores de mercado, nas entidades gestoras, nos auditores. Confiança na informação que é prestada. Confiança na capacidade de escolha dos cidadãos, perante informação fidedigna e transparente, sobre os produtos financeiros existentes e com base em aconselhamento isento.

Para melhor ilustrar a importância da confiança ocorre-me uma analogia matemática. Se a confiança não existir, o resultado é o mesmo que o algarismo zero produz quando aplicado à multiplicação. Naturalmente que o legislador, os reguladores e supervisores, têm um papel insubstituível para a criação, preservação e reforço dessa confiança.

Apesar de se justificar uma ou mais conferências específicas sobre o papel do legislador, dos reguladores e supervisores, não posso deixar de aproveitar esta oportunidade para partilhar a segunda mensagem.

E a segunda mensagem que quero deixar é justamente para indicar que a CMVM permanece absolutamente dedicada a promover a proteção dos interesses dos investidores. Essa proteção é efetuada através da supervisão que queremos adaptar de forma ágil e contínua às tendências que vão sendo observadas. A recente e inovadora supervisão relativa a perceber o value for money de alguns produtos é um exemplo do que acabei de referir.

Uma outra vertente da proteção dos interesses dos investidores passa por uma maior proximidade com os investidores, informando-os e também ouvindo o que têm para nos dizer. E para reforçar o que acabei de dizer, gostaria de chamar a atenção para o novo site dedicado aos investidores que a CMVM lançará brevemente.

A terceira e última mensagem, não sendo uma novidade porque já a utilizei antes, justifica-se plenamente que seja repetida, até porque acredito na fórmula que diz que os resultados são 10% de inspiração e 90% de transpiração. A mensagem a que me refiro é retirada de um vitral do Abel Manta que está no Instituto Nacional de Estatística. A inscrição em latim que consta no vitral indica: ad divitias per scientiam numerorum, que significa "prosperar, conhecendo os números".

Acredito que se aplicarmos o que está indicado no vitral, a racionalidade dos números removerá muitos dos bloqueios que têm impedido Portugal de tirar partido do mercado de capitais.

E com esta referência concluo, mas não sem antes fazer um agradecimento especial ao Senhor Presidente da República, pela honra que nos concede ao associar-se a esta conferência, enviando-nos a mensagem certamente inspiradora com que iremos encerrar esta conferência.

Muito obrigado a todos mais vez e espero que tenham uma manhã profícua.



[1] Dado proferido verbalmente por participante num dos painéis de debate do Eurofi Abril 2023, Estocolmo